Sou daquelas pessoas convictas de que qualquer um pode ser tocado pela arte. Adultos, deficientes, crianças… todo mundo reage, à sua maneira, quando aprecia uma criação artística.
Acho que nossa reação é o somatório de vários fatores, sabe? Quando você vê um quadro, por exemplo, as cores, texturas e traços são alguns desses fatores. E muito além disso, nossa vivência, humor e percepção do mundo são parte fundamental de como nos sentimos quando estamos diante de uma obra.
Visitando a exposição do Jean-Michel Basquiat no CCBB aqui do Rio de Janeiro, descobri que tem ainda um outro fator que fez toda diferença na maneira como eu enxerguei o trabalho dele. Eu conheci um pouco da história desse artista.
Quando a gente conhece a trajetória de alguém um sentimento muito nobre nasce dentro de nós: a empatia. É através dela que desconstruímos uma série de julgamentos e, finalmente, conseguimos nos colocar no lugar do outro. E foi isso que aconteceu comigo depois da exposição.
Saí de lá com muitos pensamentos e reflexões sobre comportamento emocional e, principalmente, sobre o racismo. E nesse espaço aqui eu convido você a entrar nessas reflexões comigo de peito aberto e nenhuma pedra nas mãos. São levantamentos bem simples, mas que dão margem para um turbilhão de entendimentos, sabe?
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1.A infância influencia a vida adulta
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Fico incomodada quando vejo crianças serem desrespeitadas só por serem crianças. Muitos adultos ainda entendem a infância como um período onde ser inseguro e ter sua intimidade revelada abertamente não tem significado algum. Afinal, é “só uma criança”.
TUDO que uma criança vivencia pode refletir em quem ela será como adulto lá na frente: o relacionamento com os pais, a escola onde estudou, um presente que ganhou de alguém… e no caso do Basquiat é muito clara a influência de um livro de anatomia que ele ganhou da mãe quando se acidentou na infância.
Já reparou que muitas das suas obras tinham ossos e órgãos desenhados? Pois é! Uma referência da infância.
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2.O racismo tem o poder da perseguição
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É triste, mas tão perceptível, que o racismo persiga o negro em todos os momentos da vida.
Lá na exposição havia uma sala onde passava um documentário contando um pouco sobre a história do Jean-Michel e, após alguns minutos, percebi o quanto ele hesitava todas as vezes que dava uma entrevista. Por mais que a intenção do entrevistador fosse a melhor do mundo, Basquiat sempre desconfiava e dava respostas ríspidas que tinham como pilar a cor da sua pele.
A desonesta hierarquia de raças marca um ser humano para sempre. É como um carimbo na alma que não te deixa esquecer nem por um segundo que o mundo te acha inferior.
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3.Nossos relaconamentos pessoais podem definir nossa sanidade mental
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“Diga-me com quem andas e eu te direi quem és”. É meio que isso mesmo!
A vida é uma grande teia de relacionamentos. Alguns não podemos escolher, como nossa família e colegas de trabalho. Outros estamos livres para decidir quem fica ao nosso lado e quem queremos bem longe.
Criamos afinidades, compartilhamos hábitos (bons e ruins) e tudo isso reflete no nosso comportamento. Jean-Michel teve como uma das maiores parcerias de vida o também artista Andy Warhol que se incomodava com os exageros de drogas do amigo. Após a morte de Andy, Basquiat se perdeu nos próprios limites e sua saúde mental se deteriorou. É como se Warhol fosse um porto seguro emocional.
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4.O que seria da arte sem o caos
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Leia meia dúzia de depoimentos de artistas variados e perceba um denominador comum: o caos.
Muitas das obras criadas, independente do tipo de arte, são inspiradas por turbilhões emocionais/sociais vividos pelos artistas. Condições políticas, marginalização social e relacionamentos turbulentos geram impulsos criativos muito fortes.
É como se algo incrível surgisse em meio à tempestade. Às vezes penso que muitos deles foram artistas PORQUE viveram o caos, mas pode ser que tenham sido artistas AINDA QUE vivessem o caos. Acho que nunca vamos saber ao certo e eu, sinceramente, não sei descrever meu sentimento em relação a isso!
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Espero que vocês já tenham visto a exposição ou que tenham a oportunidade de ver. É tão linda e tocante que recomendo para todo mundo. Ninguém sai a mesma pessoa depois de conhecer um pouquinho da obra desse artista.
Espero que vocês reflitam sobre algumas das tantas reflexões que essa mostra propõem.
A gente precisa desse movimento, né? Aproveitem!
Beijos,
Lí
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Jean-Michel Basquiat
CCBB – Rua Primeiro de março, 66. Centro /Rio de Janeiro – RJ
De quarta a segunda, das 09h ás 21h
Entrada gratuita